sábado, 24 de outubro de 2009

A foto!

A importância de uma foto

Estávamos todos tão empolgados! A viagem era a realização não só de um velho sonho, mas o ponto alto de um planejamento detalhado e meticuloso de quase doze meses. Dentre todos os lugares que pretendíamos conhecer Machu Picchu era, óbvio, o mais importante. Não sei se de minha parte, por conta da ansiedade, não deixei um pouco de curtir mais intensamente tudo que antecede. Ficou, hoje, uma sensação estranha...

Tudo que vem antes torna a chegada a Machu Picchu algo... não sei... místico vai parecer clichê? não acho. Aquele lugar tem um poder, tem uma energia. Talvez pareça piegas, ou um tanto esotérico demais. Mas EU me senti diferente. Toda a caminhada precedente me colocou num grau de percepção espiritual notadamente diferente. Ver Machu Picchu do alto da porta do sol, cansado, no raiar da manhã, arrepia e emociona! Ali várias fotos foram tiradas. Uma, encobertamente planejada por nosso amigo N., seria posada mais adiante. Só um pouquinho mais perto.

Lá embaixo, pertinho da cidade, ele sacou da mochila a surpresa: uma bandeira verde amarela, o símbolo do nosso país, orgulho brasileiro naquele grupo de gringos em terra alheia. Todos rimos, brincamos e, claro, tiramos fotos! Foi tão espontâneo e tão verdadeiro de nossa parte, que acabamos por influenciar uma japonesinha querida e meiga que conhecemos ali. Mieko quis, após tantas fotos entre nós, compartilhar de nossa alegria e confraternizar conosco, já que sua aventura ali, ao contrário da nossa, era solitária.

Engenheira de laser em Tóquio. Foi tudo o que descobri daquela tímida companheira de trilha. Ela entregou sua câmera à alguém, juntou-se a nós e, num ato de absoluta generosidade que só alguém de sólida formação cultural pode executar, empunhou conosco a bandeira de nosso país como se dele filha fosse.

Alguém lá do complexo arqueológico - um evidente energúmeno - aproximou-se exaltado, vociferando impropérios em baixo castelhano ao nosso afável guia, William. Dizia ele que fotografar bandeiras era proibido ali, e que nosso guia seria preso. Instaurou-se uma confusão. Aos gritos, o homem exigia que um policial detivesse nosso guia. Exigia, aliado a isso, que toda e qualquer fotografia tirada em que aparecesse a bandeira de nosso país fosse apagada. Mieko calou-se, sentou junto a uma pedra e observou. Falava inglês e japonês. Aquelas grosserias em espanhol não podia compreender, e apenas o tom da voz daquele grosseiro homem lhe transmitia alguma idéia do que estava acontecendo.





Eu fiquei perdido. Fiquei com medo de prejudicar William. O homem citava certas "regras" do parque. William estava defensivo. Parecia que o homem, apesar de exaltado, tinha razão com relação àquela proibição (que, a nosso ver, não fazia o menor sentido). Olhei pros nossos amigos, e eliminei as fotos de minha máquina. Peguei a máquina de J., relutantes eu e ela, e apaguei tudo. Olhei pra baixo, em direção a Mieko, ouvindo ainda os gritos da discussão e incerto quanto ao que fazer. Ela me olhou resoluta e disse em seu tom baixo, mas de maneira firme "There is one more." Sua segurança acalmou meu pensamento. Olhei de volta para o homem e disse, mostrando as câmeras: "See? No more pictures, it's all deleted! No more pictures! No tenemos más fotos! All right? Ok?". Ele satisfez-se, e o caso encerrou-se ali.

Nossa viagem pelo Peru durou ainda alguns dias. A dela pela América do Sul outros tantos. Estávamos já em Campo Grande, de volta a rotina. E eis que surge na caixa postal um e-mail! Proveniente do outro lado do mundo, contendo a eternização de um momento.

Pra mim essa fotografia é uma jóia. E vou guardar pra sempre tanto a imagem, em si, quanto a visão de um olhar decidido e sereno daquela desconhecida segura e nobre.